segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Democracia

No dia 11 de Fevereiro de 2007 teve lugar o referendo relativo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado; o resultado é de todos conhecido, tendo a resposta "Sim" obtido 59,25% dos votos e a resposta "Não" 40,75%.
Algumas das profecias avançadas pelos defensores da resposta "Não", como sejam a libertinagem das interrupções de gravidez, a perda de respeito pela vida humana, não se verificaram de todo.
Todavia, pouco ou nada se fez (porque será...) pela efectivação da educação sexual ao nível do ensino formalizado, e ainda não foram tomados passos importantíssimos para evitar que uma mulher que seja se veja perante a dilacerante opção de pôr termo à sua gravidez.
É público que fui defensor da resposta "Sim", tendo feito campanha nesse sentido e tomado a iniciativa de organizar um debate sobre a questão; mas não me posso mostrar satisfeito com o "day after", visto a sociedade não ter tomado em mãos um assunto desta importância.
Nem abandonado a demagogia.
"Vamos rezar o terço por todas as vítimas do aborto": esta mensagem foi difundida, via sms e correio eletrónico, para formar uma concentração junto aos hospitais de Faro, Portimão, Leiria, Guimarães e Braga pelas 21 horas de hoje.
Em Lisboa, a concentração está marcada para junto da Clinica De los Arcos, dada a conhecer, sobretudo antes do referendo, pelas mulheres portuguesas com condições financeiras de se deslocar a um estabelecimento de saúde com condições e pessoal médico preparado para levar a cabo as interrupções de gravidez, sobretudo com a garantia da componente psicológica.
Há já três meses que estas menifestações colectivas, nas quais se reza o terço, são organizadas nas imediações de estabelecimentos de saúde, públicos e privados; tudo impulsionado por um dos movimentos contrários à despenalização da interrupção da gravidez.
Não se bastam com os lusos: no Algarve também convocam os turistas a juntar-se à causa.
"Tragam um terço e uma vela com copo. Passem a palavra a quantos estejam solidários com a Causa da Vida, a sacerdotes e leigos, a grupos de jovens e outros movimentos da Igreja".
As manifestações decorrem dentro das formalidades tendentes a garantir a ordem pública, pelo que nada pode ser apontado quanto à realização das mesmas.
Apenas um reparo indirecto: não sou católico, mas custa-me ver que haja uma absoluta colagem entre a imagem dos crentes e estes movimentos; da mesma forma que católicos votaram "Sim", agnósticos, ateus e crentes de outras religiões votaram "Não". Felizmente o voto é a expressão das convicções pessoais de cada um.
O que me desagrada é que continue a demagogia de erigir os defensores do "Não" como contrários ao valor da vida humana: ano e meio volvido, continuamos na mesma?!
Na democracia temos que aceitar os resultados, quaisquer que eles sejam; e, contrários às nossas convicções, temos todo o direito (e dever moral) de nos manifestarmos contrários ao rumo escolhido, procurando convencer os votantes do bem-fundado da nossa razão.
O que não se mostra admissível é faltar ao respeito: pelas opiniões dos outros, pelas suas convicções profundas, pelas suas opções.
Nestes como noutros assuntos.
Num e noutro campo.

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