Há 47 anos começava a construção de um marco que fiou conhecido como o Muro de Berlim: mais do que a barreira física, a barreira social e política, separando uma cidade e dois mundos.
No final da 2ª Grande Guerra, com a partilha dos despojos pelos principais estados Aliados, a cidade de Berlim foi dividida por sectores, colocados sobre duas esferas de influência diversas, originando dois estados na antiga Alemanha: a RFA, pró-ocidental e capitalista, e a RDA, pró-soviética e pró-socialista de estado, integrando o Pacto de Varsóvia.
Ficaram célebres as tentativas de fugas desesperadas de cidadãos da RDA, procurando asilo do racionamento, da plenipotente regulaçao da sua vida diária, dos desmandos de poder: basta pensar que o regime da RDA foi defensor da acção soviética em Praga...Um regime que, e porque a época é de ode ao desporto, de forma a perpetuar o poder e reforçá-lo perante o exterior, não se coibiu de recorrer a um programa de dopagem que provocou até alterações de sexo entre praticantes, abortos espontâneos em atletas, alterações hormonais profundas...
Na data era chanceler da RFA Konrad Adenaur, destacado político democrata-cristão, preso num campo de concentração nazi como opositor ao regime, pró-europeu e pró-ocidental.
Era Willy Brandt presidente da Câmara de Berlim: um dos rostos maiores da social-democracia europeia, tornar-se-ia chanceler alemão em 1969, mantendo-se no exercício do cargo durante 5 anos; galardoado com o Prémio Nobel da Paz (ficará sempre na memória o ajoelhar dele em Varsóvia perante o memorial às vítimas do Gueto construído pelo regime nazi), pacificador (encontrou-se com Yasser Arafat, Goarbachov, Saddam Hussein e o homólogo da RDA, Erich Honecker), presidente da Internacional Socialista.
Anos a fio foram famílias separadas, vidas destruídas e impedidas da felicidade por causa de um muro: intransponível, as centenas de pessoas que o tentaram escalar acabaram mortas ou presas (a pena era, no mínimo, de 2 anos de prisão). Décadas a fio os cidadãos da RDA, sobretudo os berlinenses, viam o progresso social e económico dos seus vizinhos e conterrâneos, do mesmo não podendo comungar, subjugados a uma noção estatizante e plenipotenciária de governo, à imagem de Moscovo e dos seus satélites: com uma polícia de estado, a Stasi, cujos atropelos aos direitos humanos são por demais conhecidos e ainda hoje se vão progressivamente conhecendo.
O Muro de Berlim caíu a 9 de Novembro de 1989: assisti ao acto, lembrando-me da felicidade espelhada na face de milhares de berlinenses, ávisos de liberdade!
Recordo pessoas em cima de trechos de muro com simples escopos, quebrando milimetricamente as grilhetas do passado, com uma força sobre-humana que a verdade e a razão dão aos justos.
E duas imagens simbólicas: quando dezenas de populares, prendendo uma corda a um pedaço maior de muro, o derrubaram, com a poeira a encher-lhes a alma, e as dezenas de milhares de pessoas nas Portas de Brandenburgo, símbolo eterno de liberdade, outrora inacessível a todos os alemãos orientais, como a todos os cidadãos dos países do Pacto de Varsóvia.
A influência da queda do Muro foi enorme: conhecemos o desmoronar do regime soviético, a Perestroika de Mickhail Gorbachov, o fim da URSS, o aparecimento de novos estados no Báltico, Cáucaso, Urais, na zona ocidental asiática.
A História não fez jus à acção de Gorbachov: um Prémio Nobel da Paz, mas o desprezo dos seus concidadãos, a vergonha da sua deposição, o estilhaçar do seu contributo para a democracia.
O Muro de Berlim permaneceu erguido 28 anos: produto de uma época instável, de conflito latente, que por pouco não desembocou em mais um conflito de escala mundial, com recurso a armas nucleares.
Existe, em Berlim, um Memorial ao Muro: que nunca deixe de existir.
Pois as grilhetas do passado jamais poderão abraçar os pulsos do futuro.
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